sexta-feira, 22 de junho de 2007

Da Lama ao caos (ficção ociosa pós-moderna e neo-acadêmica)

Ela o viu primeiramente, mas disfarçou.
Ele a viu logo em seguida:

- Hei! Você? O que está fazendo aqui? ; Com tom de desprezo.
- No momento, parada, sozinha e infelizmente olhando pra sua cara... ; Com tom de impaciente desdém.
- Nossa! Jura?
- Não. Não preciso jurar.
- Sua resposta foi idiota.
- Culpe sua pergunta e não a mim.

Silêncio inquietante entre os dois, embora cercados por conversas e risadas paralelas:

- Tenho mesmo que ouvir essas ironias de sempre?
- Nem sempre sou irônico. Senta aqui com a gente?! seria um prazer...
- Verdade. Você é em muitas ocasiões direto, sincero; sinceramente um idiota! Sento não. Obrigada.
- Por nada. E idiota é quem faz idiotices.
- Conclusão genial, Forrest Gump. Embora pouco original. E por nada mesmo. Agradeci por hábito e não por lisonja.
- Só estou te provocando...
- Provocando náuseas!

A atenção de algumas pessoas, curiosas, se volta para o diálogo.
Ela continua de pé esperando uma mesa enquanto ele a observa:

- E por que é que você está toda tampada, aí, com essa roupa? Ficou mais gorda ainda.
- Estou com frio, posso? E emagreço quando quiser, se quiser...
- Sentir frio? Pode. Eu deixo. Você toda tampada está parecendo uma crente.
- Não perguntei se posso sentir frio, bobinho, mas me aquecer. E não me importo em estar parecida com uma crente, até porque eu sou.
- Crente da bunda quente.
- Bunda quente é você que é doido para ser gay e não tem coragem de assumir.

Entre os amigos dele, testas se franzem e olhares se cruzam com horror:

- Acabou?
- Espero que sim.
- Então, ótimo! Garçom, a conta! ; Grita ele.

Ela sorri pelo fim do diálogo e pela mesa, ao lado da dele, acabar de ter sido desocupada:

- Garçom, me vê o cardápio?! Porque odeio o Kieber da mesa ao lado.




(21/06/2007)

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Manga e o conhecimento do bem e do mal



Minha mãe sempre dizia que o fruto proibido, aquele, que o cão serviu à curiosidade da mulher que serviu à ingenuidade do homem, nunca houve de ser uma maça...



Sou amarela
Um amarelo assim
Oculto
Em culto


Uma casca disfarça
Não meu nascimento; cada vez mais longe
Não minha assonância; tremor na voz do desejo
Não! minha tristeza em meio às folhas secas

Sim meu vendaval; mistura as nuanças
Sim minha vaidade; tudo é esse sopro
Sim! minha perversão em meio às frases sacras

A cor...
Amarelo é inteligência
Pensamento, luz
A-cor-do (pecado)
É ouro, reluz
Um azedo, doce, forte
Mas que, nobre, enrubece

E de maduro, cai
Pudor
Amarelo é Manga

(21/06/2007)

segunda-feira, 11 de junho de 2007


Incrível como é simples, linda e totalmente ela. No mesmo momento em que tudo era o nada, o nada parado, houve o instante em que a vi. Viram-na. E só havia isso; caminhava por entre as mesas até onde eu perdidamente me encontrava. Azul e branco nunca fizeram tanto sentido na minha existência multicolorida. E essa paz azul que balançava como o mar ao vento carrega uma vela secreta e acesa no peito. A nuvem negra que sempre traz nos olhos não disfarça tal chama. Nem mesmo a chuva fria que escorre por eles até as pontas dos seus dedos não conseguia (e jamais conseguirá!) apagá-la.

(05/06/2007)

quinta-feira, 26 de abril de 2007

Preciso de ti saber, mas nem ao menos vês...
E cada tic devagar racha o fundo das minhas louças...
Tac
As matizes no rosto não bastaram para fazer de mim tua admirável estatueta...
A voz ecoa no vácuo pesado: fado de ser só. Ela grita arranhada. E só.
Precisa ouvir o sim das rugas dos teus olhos e do toque nos meus cabelos.
(Olho apertado, meu sorriso de lado)
Há o cheiro no abraço -e seu ruído.
Há o medo... há a razão... há o não.
Sim. Rejeitas meu canto; sua música é outra.
Preferes o transe; e rodas, morto, sem afetos.
Queres o corpo; e beber, beber de águas límpidas,
Enquanto anseio nadar em seus turvos sonhos.
Até aqui, no meu inverno sempre deu o seu sol.
E na rádio sempre fora do ar só toca as pautas das suas mãos.
Palmas quentes que sussuram num choque térmico, afinal.


(21/04/2007)

quarta-feira, 25 de abril de 2007

E ela,
num dia,
meio da correria,
locomotiva da vida,
foi parando, parando e parou.
Sentou.
Pensou.
"cansei"-pensou-"saco cheio, ué! Já não tenho prazer nesses meus dias".
Pensou em cantar, mas não cantou.
Pensou em contar, mas não contou.
Resolveu não sofrer mais (nunca mais) a dor dos poemas e dos poetas.
A dos românticos então,
"sofrer não e não!"- disse ela-"teve o seu momento, sua ternura e candura...".
Despojou-se das flores,
dos espinhos,
dos olores
e arrepios.
Pôs grossas luvas para não sentir a dor do toque mais suave.
Tirou as sandálias.
Sim.
Descalça, e já com bolhas nos frágeis pés, seguiu pisando forte sobre a terra.
Na Terra mesmo.
Soberana vocação!
Esperança de chegar um dia,

enfim,
ao que é

essencialmente,
bom, agradável e perfeito.


(19/09/06)

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Musical Particular

Jazz, jazz, jazz
Jaz, jaz, jaz
Minha companhia
A cada nota de sax
Alto
Alta
Auto
Como sou
Como quero

O cavaleiro cavalheiro é de fumaça
Invasiva
Evasiva
Que impregna nas minhas

Por suas malditas mãos
E sendo mesmo longe
Envolta por tantas risadas, sonhos
Alicerces de vidro
Sonho
De mim para mim
Amargos sonhos
Flashes de um doce, lento fugir do mundo
E fugir de ti
E ser bem eu.

(07/09/06)

domingo, 22 de abril de 2007

Novalis

O que percebo não tem muita consistência
É só um reflexo
Sem cheiro
Sem toques
Sem idéias ou vida

Não posso dizer que sou a multidão de pensamentos
O desígnio em si, o toque da alma
Aquele que só eu conheço
Não passa de abstração
Devaneio ou não
É tudo brisa ou furacão
E não consigo pegar o vento
Você consegue?

Sou o que você conhece
Não só o que você enxerga
Porque também isso é só um reflexo
Sou o que vê, de fato
Porção daquilo que te faz
Sorrir
Chorar
Amar
Ou um significante sem significado
Sutis passos que passam
E não deixam um rastro sequer

Sou aquilo que lentamente se aproxima
Ligeiramente toma distância...
Sábia candura
Você
O não você
Um pouco/muito de sim
Um muito/pouco de não
Um tanto de talvez
Um monte de perguntas
Porque me pergunta?
Ora bolas! Não está vendo?
Essa sou eu
Quem sou em sua vida
(D) A primeira
(`) A terceira
Pessoas do singular
E sou -quanto mais verdadeiro tanto mais poético-
Novamente eu



(Lis Motta - 25/08/06).