quarta-feira, 16 de novembro de 2011

O gato

No dia em que o deixei
Deixei uma Alma
A minha, que é a dele
E isto que restou se lembra bem
Dói não sentir mais
O peso do seu piscar, nem a leveza
Do silêncio, da redoma de brisa
Nas janelas aos domingos
Eu em uma, ele em outra
Nos vendo e só
Às vezes nos tocando
Eu sabia ser eu
Porque ele sabia (ele tudo sabia)
E se me lembro aqui
Me perco na falta de seus
Pêlos sufocantes
Ele, lá, não se lembra
Seus olhos nada dizem da memória
Dizem só do mistério de viver por
Instinto
Que quer dizer
Na verdade
Que tudo é simples
Tudo é seu
Lá fora, tem sereno
Mas ele ainda deita onde quer
Ainda vai aonde quer
Por isso, vê e diz o que quer
Dom
Seu espírito livre
Revelou-me
E é o dom
De que preciso.


(02-11-2011)

sábado, 1 de outubro de 2011

Depois que ganhei uma bicicleta e comecei a perceber trepidações, a entrar em caminhos desconhecidos por mim, no desafio de me encontrar dentro de um espaço sozinha, sem GPS, sem rumo, a pedalar por pedalar até o corpo cansar, ver o verde e o cimento se misturarem (e ver o mato vencer, muitas vezes, o sufoco do cinza no chão), ver o barulho e o silêncio que vivem lado a lado, em ruas perpendiculares, só aí percebi que minhas pernas cambotas são boas, são fortes e mais espertas do que eu imaginava: elas me ensinam que curvar é possível e é possível chegar lá naquele lugar de nome diferente do daqui. Porque as únicas linhas que existem no chão marcando caminhos, delimitando o que é ou não um lugar para mim, são as que as minhas rodas deixam ou irão deixar...

(30-09-2011)

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

O segredo de vida do peixinho azul

De corpo
Azul-marinho
Assim o esperto peixinho
Engana direitinho
O enorme e cinza tubarão

O peixinho azul
Aprendeu a discrição
Conversando
Com o silêncio do fundo
Do mar
e suas estrelas sem brilho.

(15-09-2011)

Busca a bússola

Na bravura de existir

Aprendo a transcender
Recolhendo-me a mim
À medida que descubro
Não sem dúvida pois
Que sem ela nada do que é seria,
O que é, enfim, a felicidade.

Feliz aquele que encontra o que procura!
(Quanto maior a busca, maior se torna o achado.)
Não consigo conceber
Eu,
Com minha finita
Capacidade de realizar,
O maior acontecimento
Deste sopro que chamamos
Vida:

Não o nascer
Não o morrer
A plenitude terrena não é a Verdade
Mas sim as possibilidades de busca por Ela
Como a poesia
Que não é liberdade, desprendimento
Nem é conhecimento adquirido
Mas ambos; é tudo isso e nada disso
Porque cada espírito é recluso, único em si
E é universal
E nisso não há lógica, nem Norte, nem palavra
Que possa definir...

...Como não há no amor
E em nada que possamos imaginar.

(02-08-2011)

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Humanidade em risco (ou profecia do rabisco)

Entre uma palavra e outra
um risco à mão
Rabiscos
de um sonhar acordado
corriqueiro e ansioso...

É contradição, o desejo de pular etapas bloqueando-as? É?

Margens prontas de cadernos
atravancam minha mente
inquietam meu coração
como as pedras de Drummond

Rabiscos:
revelam minha arte
que não tem nem a capacidade
de ser inútil
Dá fuga, ao tempo
desta prisão bio-cotidiana
de ilusão
(de) felicidade,
poder de compra,
controle das situações.

Benditas linhas de viajar
que me permitem errar e ser humana:
o ponto de fuga é o meu destino!

Mas o que é o mundo senão linhas
tortuosas e imaginárias?


(07-07-2011)