domingo, 5 de dezembro de 2010

A morte e o chimarrão

     Diferente de muitos com quem dividi algumas experiências intelectuais, principalmente no meio universitário, nunca fui dotada de esperteza extra ou inteligência nata, intuitiva. Estudo línguas, mas não tenho a felicidade de decifrá-las sem a boa e velha ajuda de gramáticas, dicionários, exercícios e repetições. Nem minha língua, o órgão mesmo, se entrega facilmente a novas articulações. A mecânica da fala de uma nova língua me é tão desafiadora quanto fora a mecânica do primeiro beijo.
     Como uma criança dita "normal", aprendi a ler na escola de alfabetização, e fui aprendendo, passo a passo, em consonância com o que me era ensinado. Já no quesito criatividade, não consigo, agora, estabelecer um padrão de normalidade, ou intensidade criativa. Creio que qualquer pessoa já é um tanto criativa em seus próprios pensamentos. Basta um dos cinco sentidos para haver percepções únicas. Mas quanto a isso, também posso estar enganada. Pelas minhas memórias, percebo que sempre fui muito mais sensível do que criativa. Até hoje, tenho certeza de que minhas visões sobrenaturais, sonhos e intuições da infância fazem parte de um contexto maior, e por mais maluquices que pareçam ser, são reais e não frutos da minha imaginação, mas sim, de uma sensibilidade para perceber o invisível.
     Eu tinha cinco anos, uma sonseira crônica e muitas perguntas a fazer. Era meu primeiro ano escolar e acordava cedinho todos os dias para ir à escola que ficava a duas quadras do condomínio onde morava em Itapuã, Vila Velha. Acompanhada por minha mãe, descia o prédio com mochilinha nas costas, lancheira na mão e muita vontade de aprender a ler de verdade, porque de mentirinha eu já lia há algum tempo.
Quando descíamos o prédio, ao passar pela portaria, sempre nos encontrávamos com um homem. Alto, bonito, de trinta e poucos. Na verdade, ele era só um tiozinho, uma pai de uma amiguinha. Ele não falava muito e nem lembro o nome dele (não lembro nem o da amiguinha), mas lembro, com riqueza de detalhes, o fato de que, todos os dias, ele estava ali, sentado na escada tomando chimarrão, com uma cara de satisfação e reserva como se aquilo fosse seu grande luxo, seu grande momento do dia.
     Um dia acordei e minha mãe me deu uma notícia "O pai da ... morreu. Houve um acidente de moto, ele estava de carona...a roda da moto ficou presa num bueiro...ele voou e quebrou o pescoço...".
     Chocante, cena forte, já ouvira falar de morte, mas foi a primeira vez que vi alguém pertinho de mim morrendo. Na minha pouca experiência, pensei que a morte podia ser qualquer coisa. Mas as caras de tristeza se fizeram mais que suficientes para me provar que morrer não era bacana. Afinal, ele 'quebrou o pescoço' e entendi, sem esforço, que isso doeu bastante.
     Minha mãe me levou ao velório, vi o corpo deitado e pessoas chorando. A filhinha não estava, e parece que contaram para ela uma história de "virar estrelinha...", bem diferente daquela que minha mãe me contou.
     Até aí, tudo bem. Ou melhor, tudo mal. Ele voou, caiu, quebrou o pescoço e morreu.
     Mas o que vinha depois?...
A vida continuou, continuei acordando cedinho, com a mesma sede de aprender sempre mais na escola que eu tanto amava. Porém, na medida que os dias passavam, minha aceitação foi virando estranheza que, por sua vez, foi se transformando em incômodo e assim, em angústia; tudo devido à ausência daquele homem sentado na escada.
     E foi assim que entendi, cedendo à força dos fatos, a primeira questão sobre morte: morrer é não poder mais aproveitar uma manhã, e reservá-la só para tomar chimarrão.

(05-12-2010)

domingo, 14 de novembro de 2010

Ninguém pinta como eu pinto.


Visão termoplasmática



Técnica: Lápis Aquarela
Esboço:Rodolfo Alexandre
Colorização: Lis Motta
(Aprendendo um pouquinho...).

domingo, 6 de junho de 2010

A pedido, a letra da música "Passos Lentos" de Conrado Segal

Eu não tenho tempo de caminhar a passos lentos
Por isso eu corro, eu corro
Tenho todo o tempo do mundo
Mas o mundo é pouco
Ouço a voz do vento me dizendo sem ressentimento
A vida é um sopro

Eu dançei no contratempo para capturar o momento
Me escapou por entre os dedos, tão pequeno
Quis fazê-lo eterno

Mesmo já sabendo que o tempo faz um movimento de esquiva
Mesmo já sabendo que ao mesmo tempo o meu corpo e o seu não podem ocupar o mesmo espaço

E não tendo tempo pra ensaio
Eu vou improvisando
Nesta peça de teatro
Neste palco de área limitada que a nós foi dado
Com hora marcada

E não tendo tempo pra dizer mais nada
Eu vou pegando a estrada
Vou saindo fora
Vou-me embora
Já passou da hora de eu correr atrás do tempo

Eu não tenho tempo...

quarta-feira, 2 de junho de 2010

LIS E A ERA BRILUZ - FESTIVAL PRATO DA CASA

Minha banda está concorrendo no festival Prato da Casa.

Votem até sexta-feira pelo telefone 3335 7914 (de 12-14 h) no programa Bandejão, da rádio universitária 104.7 FM e pelo site www.crjvitoria.com.br(barra)pratodacasa


Votem aí! Obrigada!

quinta-feira, 22 de abril de 2010

SOBRE TUDO QUANTO SE LÊ

Livros, amigos, ou uma coisa qualquer.
Um bicho bonito, um gato a dormir
uma lagartixa que arregala os olhos do menino.
Tudo pode ser lido.
Tudo pode ser vivo com este louco DNA
das palavras e suas letrinhas miudinhas
ou GRANDONAS ASSIM que se organizam
de múltiplas, infinitas formas
de acordo com o que (se) quer incorporar.

O que mais leio, naturalmente, sou eu mesma.
Gosto também de ler aquele que tanto amo,
meu lobo manso
e é tão difícil,
e dá uma dor gostosinha esse árduo ofício
de cultivar um amor culto, letrado.
Ler em minha mãe
seus olhos cansados dos sessenta também é bom e
confortante na maior parte do tempo porque
afinal, tá tudo bem.
Ler os mortos pode parecer estranho
mas estranhamente é o que mais se lê
e eu também gosto e parece que
quanto mais frio ou esfarelado o corpo
mais quente e sólido seu vocabulário.

Bukowski, Whitman, Jorge Luis Borges
E.E. Cummings, Kundera, Conrado (o Segal)
Hilda Hilst, Machado (Isadora e de Assis)
Exupéry est super como as pessoas do Pessoa
Guimarães (linda rosa) e Cezário, não o verde, o Saiter.
O Gênesis, o Mateus, o Marcos, o Lucas, o João
e seu apocalipse.
Tanta coisa a se ler neste circo universal, caro Raimundo...
Tanta coisa, caro Manuel, minha bandeira nacional!
(licença, Leminski, pelo trocadilho...licença a este corpo jovem, Breno Dantas).

Tá, mas...quem é que está morto mesmo?

Vivas! todos vivem!
Até o diabo
até os Carlos com suas bebedeiras tristes e
seus rios rasos
Até Rimbaud vibra constante em sua estadia
no inferno

Vivas! todos vivem
em nossos olhos
se quisermos.

Ler abre portas para o eterno.


(21-04-2010)

terça-feira, 13 de abril de 2010

amor habitat

Para Rodolfo


Não se engane com o que vê, amor
entre os lençóis e as vassouras.
Cotidiana, fui domesticada, não nego
mas há vida em mim. Há vida!
Simples e vaga
mas acesa de sentidos:
Há o cheiro do pão, do feijão e do mar
(e quão delicados eles são...).
Há um ruído de bicho, de mato, que me sooa estranho
e um de rio, de cascata, que me sooa como um lindo sonho.
Há minha mãe, minha destra
e há ainda minha mão
sinistra, unida ao Selvagem.
Você; meu pássaro livre
policromático
que me conta, em altos vôos
a fantasia de cantos e cores reais
a realidade de cheiros e gostos fantásticos
e me ensina muitas outras coisas
sobre a arte da espontaneidade.
Oh, meu pássaro-amor...
Tá na mesa
Vem comer, vem?
Celebremos a maravilha deste vôo juntos
Mas celebremos também o chão, a gravidade
Pois são eles que nos fazem sentir tão agraciados em poder voar.

(13-04-2010)

segunda-feira, 15 de março de 2010

Naquela noite de domingo em que falou
Sobre ser uma unidade novamente
E sobre como se sentia estranho comigo
Eu morri
Sem exageros, morri
Morri porque, estranhamente, o que te dava medo
Era o que sempre, eu e você, mais amamos em nós:
Essa mistura de estranheza com intensidade
Que todos notam, se escandalizam;
Dois ímpares, canhotos, opostos, compartilhando escolhas terrenas com afeto e alegria
Morri porque não acreditei no desamor
Em você assobiando na cozinha, lavando vasilhas
Enquanto eu definhava no sofá
Engasgando amor-próprio, memórias e MUITA RAIVA
Morri, nem te reconheci; você anunciando boas novas do acaso
Em primeira do plural
Calmamente...
E eu, sua, nula, puta, plena, dizendo: "sei o que quero."
Eu realmente queria sobreviver, e talvez a boa nova é que o acaso permitiu
Enfiaram-me num banho frio, conversaram comigo, alimentaram-me.
Providencial...
Obviamente outras noites vieram. E com chuvas desnecessariamente românticas
A lua passou, o sangue passou, a depressão, mas você não
E voltou;
Graças a Deus!...
Como sempre volta o dia ensolarado à Itapuã. Como sempre voltam os dias de entendimento
Mas naquela primeira noite de lua cheia de peixes,
"Ó Grande Virgem!",
Você não passava de um pequenino perdido
Que eu estava prestes a engolir.

(07/03/2010)