sexta-feira, 17 de outubro de 2008

De fogo - primeiro e último.

Esfumaças-te
suspiro de fogo
disfarce da dor
no quereres águas por carne

Na injuriosa troca
matas a cúmplice
do tortuoso encontro: A Sede

*

Resfrias, com o esperado choque
a cobiça ardente de outrora
e me dissipas, satisfeito
em nuvem e nada

*

Chorosa, à noite
beijo tua janela
Não a da alma
(como bem desejei...)
mas outra
A que separa tua casa da minha

*

A casa do meu sangue é o céu
(e sei o que é uma estrela morrendo)
Mas a minha é o mar volante
guardião de volúpia e festejo
de desejo e canções de amigo
onde Eros e Philos riem, dormem
e onde sonho a placidez futura

*

Quero grão agora
depois da ferida
Chão e abrigo táctil, firme
Regar a terra que me espera
banhar sábios, crianças, flores
e as aquarelas, que me querem bem
ao menos no retrato



(17/10/08)

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

De água II



Ela:
É porque te amo
Que me liquifaço e desfaço assim:
Límpida.
Desaguando num poema que é teu
Porque sem ti seca e morre.

Ele:
Em verbo, aqui
Te apoderas de mim
-Tu, em letra-
E me lavas, Sonora-Vida,
corpo e alma.

(27/09/2008)



De água I







Tão fácil quanto amá-lo assim, distante
É enviar-te versos de um amor
Que é naturalmente a vida
A fluir num rio que corre em mim
E desaba num rosto que , triste,
Se faz concêntrico como uma rocha
E vertiginoso como o vento
...
Não é fácil.


(27/09/2008)

segunda-feira, 10 de março de 2008

"Seguir comigo mesma? Consigo e sigo. Mas preferia contigo..."

...entre quatro paredes - tradicionais.
O vigor da idade da glória que já nasce morrendo.


Tropical esperança de que será melhor. E será...

Será que o escorrer do tempo, lento, poderia contagiar o palpitar no peito?
Se sim, por favor!

Porque ele soava...


Mais alto que a canção francesa no rádio.
Mais forte que a luz incandescente do abajur.
Já ouvira falar de cenas parecidas.
Possível que fosse uma intertextualidade charmosa.
Mas era a agonia por querer uma história "só sua" que trazia lábios mordidos.
Diariamente, ali, aprendia na pele sobre a vida felina que corria ao redor.
E a pele de mulher, arisca, transpirava por socorro e repulsa.
Repulsa e SOCORRO!
Fera ferida.

Naquela noite de chuva,
lia o fantástico,
comia o moderno,
bebia o clássico,
chorava o básico.


Ponto infeliz!

(Estava frio...).

Mandava os outros pro espaço.
Para onde, no fundo, desejava estar.
E não só.


De nem poucas, nem de muitas, mas de essenciais,
o melhor lugar do mundo é feito de presenças.

(...mas já começa a esquentar.).


(26/02/2008)

A vida é um circo

No maior espetáculo da terra
(Juventude dos homens)
Aconteceu o fantástico encontro de três atrações

Atraídos:

O palhaço sabido
O vidente menino
A atriz feliz


Três num ato
Sob o olhar da exigente platéia
Formaram uma torre
Sobre palavras ternas

Mas só aos malabaristas e acrobatas
Era permitido subir alto
Para a boa mão de Deus tocar

Como na história antiga
A torre ruiu (a casa caiu)
E na mesma língua ninguém mais conseguia falar

Aí, a coisa ficou confusa
Palavras, canções e poemas já não tinham finalidade alguma

Que perdição, desventura!

O palhaço, desamparado, se foi para a Lua
(Já que não havia palavras, foi-se para diante da qual qualquer palavra parece ser bruta).

O vidente
Que do futuro nunca soube nada
Leu o próprio destino nas cartas
E do nada, viu a mãe pela greta
Chorando, atravessou o oceano de carona no rabo d’um cometa

A atriz
Muito fajuta
Mas ainda assim, uma boa aprendiz
Não precisou fingir estar triste
(Deixou as lágrimas de crocodilo para o espetáculo da velhice)
Voltou às origens
Ao lar doce lar
Foi revisar algumas lições, valores
E reaprendeu a voar
(O céu tinha toda a força da arte de que ela precisava para voltar a sorrir)

Cada um para um canto diferente
Voaram eles, ela, palavras

Mas o maior espetáculo foi este, então
Ver os perdidos se encontrarem na tão falada solidão


(25/02/2008)

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Eis aqui minhas muralhas;
Elas vibram à tua chegada.
Venha!
Minhas mãos anseiam ser pentes para teus cabelos!

Deleita-te em minhas águas frescas,
Beba-me e eternamente nutrirei teu corpo e espírito.

Como ter saudade do que é belo na pátria distante
Se só tua tez morena tem o cheiro e gosto da fortaleza em mim?
Meu berço és tu!

Assim como o sertanejo,
Endurecido pela cidade,
Geme com as cordas da viola,
Sou eu, que balança com o som da tua voz
E do meu peito, sertão cheio de veredas,
Fluem rios de vida,
Saltam os peixes,
Cantam as aves,
Em louvor ao amor!

Ah, se viesses e me tocasses com teus cílios...
Seria suficientemente magnífico!
Teus olhos me cobrem
E nos meus pés um terremoto lança meu mundo ao pó.
Os teus pés...
Lavo-os com unguentos sagrados,
Amarro mexas de cabelos meus em teus tornozelos;
Assim te seguiria,
E seguirias tu a mim.

Sonhas comigo,
E te cubro com as palavras da verdade universal
E com beijos que já são mais teus que tua própria alma!

Juro,
Não terás mais frio!
Faço do teu inverno triste a primavera
Aqueço-te com cobertores de flores raras
E te dou minhas carnes como travesseiro!

Oh, perdoem-me os leitores do acaso,
Que esses versos têm um dono
E dominam-me por inteira!
São moldados pela complacente mão da escrava,
Mas são posses do senhor do meu sono,
Dos meus dias clandestinos,
Do meu amor.


(Lisboa, 10/01/2008 )