"Do que estamos falando quando falamos de amor?"
Raymond Carver
Ninguém é falso pela manhã. Por isso mesmo ninguém é são.
Contrariando os esforços de se ter um encontro do acaso que parecesse espontâneo e alegre e sentados num café às seis da manhã, ela pergunta para ele, emendando conversas antigas:
- Você fala de nós, mas consegue nos ver daqui a dez anos? Quero dizer, faz dez anos desde que te vi pela primeira vez e, veja que loucura - disse isso apontando e olhando ao redor como se mostrasse algo, mas só tentava desviar um pouco o olhar do dele - cá estamos nós: os mesmos e tão diferentes...diferentes de quem éramos. Diferentes um do outro.
- Mas isso não faz sentido - disse ele.
- O quê?
- Nos imaginarmos no futuro.
- Por que não?
- Porque isso não importa! Veja, eu te vejo agora, sinto sua pele agora e você não é capaz de fingir, eu sei o que se passa aí. Olha, nós decidimos agora o que fazer agora. Sempre foi assim.
- Decidimos o nosso futuro...
- Não!
- Não? Como não? Há dez anos, quando não fui ao seu encontro naquela tarde, sabia perfeitamente que estava decidindo o meu futuro com você.
Ele abaixou a cabeça, balançando-a em negação. Singelo sinal de revolta. Não disseram mais nada por uns instantes, como se discutir não valesse à pena; a presença bastava (?). Como se os dois estivessem certos daquilo que defendem, sabendo também que estariam errados em jogar no outro qualquer responsabilidade por estarem ali, naquele café, conversando o inconversável. Do que eles sabem, afinal? Como poderiam saber o que é melhor do que o que se tem?
Lá estão eles, dez anos depois. Depois de todas as palavras; as sublimes, as ditas e disfarçadas de desamor, as não ditas. Todas, escoadas rio abaixo. Agora, quando já não há mais nada a ser feito e tudo está como deveria estar: ela e ele, ali, olhando-se como na primeira vez. Cúmplices separados nas duas margens de um rio, agora, fundo, fundo. Rio que é silêncio em roda d'água fabricando o tempo.
Lá estão eles, dez anos depois. Depois de todas as palavras; as sublimes, as ditas e disfarçadas de desamor, as não ditas. Todas, escoadas rio abaixo. Agora, quando já não há mais nada a ser feito e tudo está como deveria estar: ela e ele, ali, olhando-se como na primeira vez. Cúmplices separados nas duas margens de um rio, agora, fundo, fundo. Rio que é silêncio em roda d'água fabricando o tempo.
O que eles sabem do rio que se transformou é que ainda parte do mesmo lugar.
E a sede será sempre sede.
E a sede será sempre sede.
(19/04/2015)
3 comentários:
E um dia vc me disse que não sabia escrever prosa. Tenho pra mim que estava escondendo o jogo.
Gostei muito do texto, e hoje, exatamente hoje, me contemplou bastante.
Saudade de vc, moça!
Que surpresa boa, Cinthia! Fico realmente feliz que tenha gostado. Ainda quero melhorá-lo em alguns pontos. Mas foi uma amiga minha q é escritora q disse para eu arriscar mais a prosa que daria certo. Bom, to tentando...rs. Saudade de vc, querida!
Cheguei pra dizer, e que fique sempre dito, que sim, sua narrativa é muito boa. Muito leve e certeira. Mas caminha de braços dados com sua poesia, Lis. Você tem uma linha muito sua na escrita. Que maravilha! Escreva mais!
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